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:: Deixando o filho ir ::

Ministérios são filhos que Deus nos dá.
Exigem de nós carinho, atenção, cuidado.
Demandam de nós diálogo, sinceridade, intimidade.
Requerem de nós doação, renúncia, amor.
Filhos são bençãos de Deus, milagres do Altíssimo, felicidade indizível.
Ministérios também.
Filhos fazem seus pais rirem, se alegrarem, se encantarem…
Mas também, por vezes, os fazem chorar.
A paternidade é recheada de surpresas, bençãos, decepções.
Ministérios também.
Filhos, quando chegam, mexem e remexem a agenda de seus pais.
Transformam seus valores, reorganizam suas prioridades.
Ministérios também.
Ministérios, quando são dados à luz, reorientam a vida, renovam o foco .
Como filhos que roubam para sempre o coração de seus pais, ministérios também roubam a agenda do coração dos seus facilitadores.
Sim, facilitadores; pois todo pai tem o chamado de ser um facilitador de seu filho…
Mas facilitar nem sempre — na verdade, quase nunca — significa instruir no caminho mais fácil.
Às vezes, para facilitar é preciso dificultar. É preciso dizer não, ainda que cause mágoas, tristeza e lágrimas.
Facilitar, às vezes, significa instruir a seguir pelo caminho mais difícil.
Não é fácil ser pai. Não é fácil ser facilitador.
Não é fácil, mas é recompensador!
Filhos sempre aprendem com seus pais; mas pais, quase com a mesma intensidade, também aprendem — e muito — com seus filhos… aprendem, principalmente, o divino ofício ser pai.
Com ministérios também é assim.
Afinal, o que são os pais senão marinheiros de primeira viagem a quem Deus resolve conceder a melhor das navegações que se pode fazer em vida?
O que são pais senão pessoas inexperientes, mas cheias de amor, a quem Deus escolhe confiar inteiramente a vida e os projetos de um outro ser feito à sua imagem e semelhança?
O que são facilitadores de ministérios senão pessoas imperfeitas a quem Deus, em sua infinita misericórdia e graça, decide confiar temporariamente o cuidado de vidas e projetos de alguns de seus amados filhinhos?
Sim, temporariamente; pois nada é inteiramente nosso. Se existe algo que marca a nossa trajetória passageira por aqui é a efemeridade; palavra tão bonita, mas tão dura, seca e fria se comparada com o desejo de eternidade que, dia e noite, brota dentro de nós e nos impulsiona a levantar de nossas camas. Lembre-se: não somos proprietários de ninguém, nem de nos mesmos! Somos mordomos; não temos nada, mas possuímos tudo. Possuímos tudo que o Proprietário e Criador de todas as coisas, em sua bondade nos confia. Nada nos pertence. Inclusive os nossos próprios filhos. Filhos não pertencem a seus pais; pertencem a Deus. Ministérios também não pertencem a seus facilitadores; pertencem a Deus.
Por isso, dedique-se de corpo e alma aos que Deus te confia. Mas não se deixe apegar mais ao ministério do que Àquele que é o seu motivo e razão de ser. Não dê mais valor à música do que Àquele que a compôs. Tudo que possuímos nos é por Deus confiado apenas por um tempo determinado. Todo projeto ou sonho que cultivamos deve ser frágil o suficiente para ruir quando Deus não o quiser mais. Não se deixe dominar a ponto de não conseguir abrir mão quando Ele te pedir de volta. Vai doer… Separação sempre dói. Mas filhos sempre crescem; de totalmente dependentes, passam a seguir o próprio rumo das suas vidas, com suas próprias pernas. Filhos saem de casa. Filhos se casam. Um dia, todo filho vai deixar seus pais, e os pais têm que aprender a deixar seus filhos irem. Do mesmo modo, um dia, todo pai vai deixar seu filho, e o filho também tem que aprender a aceitar a ida de seu pai.
De idas e vindas — chegadas e partidas — é feita a vida. Mesmo sabendo disso, não conseguimos assimilar nem aceitar a ideia da perda. Desapego é uma palavra difícil de se pronunciar no coração. Apegar-se é nossa inata predileção. E isso é bom! Mas nem por isso exige de nós menos cuidado. Pois todo apego é um ídolo em potencial. Filhos são ídolos em potencial para seus pais. Ministérios também são ídolos em potencial para seus facilitadores. Sim, facilitadores de ministérios são pais que correm o risco de idolatrar seus próprios filhos, juntamente com o seu nobre ofício amoroso. Pro pai, seu filho é sempre o mais esperto, o mais brilhante. Abraão sofreu para conseguir se desapegar de Isaque. O filho da promessa, tão amado e esperado, sutil e dasapercebidamente, passou a ser idolatrado. Assim como Abraão, todo pai — e todo facilitador de ministério — deve buscar se livrar da sutil tentação de idolatrar as pessoas e projetos que Deus lhe confia.
Cultive o amor que se apega sem se deixar dominar. Cultive o amor que se prende sem se deixar aprisionar. Desapego e desprendimento são virtudes por demais caras àqueles que se dignam ser chamados mordomos de Deus.
Portanto, doe-se, renuncie e dedique-se àqueles a quem Deus te confiou, sem nunca se esquecer de que chegará o dia em que eles sairão do seu cuidado, mas nunca do seu coração. É verdade: um dia eles não estarão mais sob seus imperfeitos e vacilantes braços, mas continuarão envolvidos no abraço perfeito e caloroso do nosso Pai.
Filhos e ministérios são assim: não são criados para ficar na gaiola; são criados para voar.
E, no dia em que voam, até podemos sentir saudades, ou quem sabe chorar… mas nunca murmurar!
Porque sabemos que eles podem até ter ido, mas sempre que quiserem podem voltar.
Pois, na verdade, eles nunca pertenceram a nós.
Eles sempre foram, são e continuarão sendo de Deus.

Por Fernando Khoury


:: Teologia do encontro ::

Os encontros mais significativos — e mais marcantes — de Jesus ocorreram fora do Templo. Os encontros mais impactantes do Mestre aconteceram no vaivém da vida, fora dos espaços tidos como religiosos, fora dos espaços geográficos voltados para o sagrado.
Jesus sabia que a vida é o espaço sagrado mais valioso para que o Espírito possa “religar” filhos pródigos perdidos à prodigalidade e à segurança do amor do Pai.
Pense nisso da próxima vez que a sua missão se restringir a levar alguém para a sua igreja.
Não que isso seja ruim. Pelo contrário.
Mas muito mais necessário que isso é levar a Igreja de Cristo para a vida desse alguém.
Afinal, estar na igreja não significa ser igreja, necessariamente.
E vice-versa.
Ser igreja, na igreja e fora dela, é o desafio.
Porque igreja é gente, e não lugar.

Por Fernando Khoury


:: Assombroso fascínio ::

Me entendes,
Sem nenhuma explicação.
Me sondas,
Enxergas minha confusão.
Completas
Toda a minha solidão.
Preenches
Os vazios do coração.
Sem ti
A vida não faz sentido
Na cruz
Encontrei meu melhor amigo
Meu Bom Pastor
Que me traz de volta pra Si
Que Deus é esse
Que jamais me abandona?
E me liberta de tudo que me aprisiona?
Que busca o perdido?
Levanta o cansado?
Traz paz ao aflito?
E não resiste a um coração quebrantado?
Que Deus é esse
Que sustenta o universo?
Que me perdoa quando peco?
E não me deixa sozinho?
Que cura toda dor?
Cuida de flores e passarinhos?
E me ensina o que é o amor?
Que Deus é esse?
É o meu Deus, o nosso Criador
O dono da minha vida
É o nosso Pai, o meu Salvador
Que sustenta o universo
E se preocupa com a minha dor

Por Fernando Khoury


:: O menino que só queria brincar de sonhar ::


Ele não nasceu.
Ele surgiu.
Ele sumiu.
E apareceu
Deitado de bruços,
Como quem ainda dorme um sono profundo,
Como quem ainda sonha com um novo mundo,
Numa inóspita praia que virou cemitério.
Abandonado,
Largado,
Seus lábios beijam o chão molhado do descaso com o sagrado.
Rosto sufocado,
Rejeitado
Nos grãos de areia do mar da indiferença,
Que faz da sua terra de nascença
Sua irrecorrível e desumana sentença.
Chamam isso de surto migratório.
Eu chamo de apocalipse inglório,
A celebração de mais um velório
Cultivado no jardim da decadência moral.
Um menino que só queria brincar de sonhar,
De viver,
Morreu sonhando.
Sonhando viver.
O menino que só queria brincar de viver,
De sonhar
Acabou órfão de tudo
Órfão de um mundo
Que nunca mereceu lhe ver bebê.
Ei, menino que só queria brincar de sonhar:
Peça-nos de novo para dar-lhe de beber
Peça-nos de novo para dar-lhe de comer
Peça-nos de novo para deixá-lo brincar de sonhar,
De viver
E quem sabe assim, por fim, você acabe matando de vez a nossa sede
E acabe saciando pra sempre nossa miséria
E nos ensine de novo a brincar de sonhar, de viver.
Porque brincar de matar é a nossa miserável sorte
Até que Aquele que é a própria Vida venha e mate em nós a própria morte.
Ei, menino que só queria brincar de sonhar,
De viver,
Eu sei que você morreu sonhando.
Sonhando viver.
Vai, e agora que está ao lado do Cristo,
Vive a vida que nós lhe privamos de ter.
Ei, menino de apenas 3 anos
Órfão de tudo,
Órfão do mundo:
O Pai te chamou de volta,
Pra nós, talvez, antes da hora
Pra você poder encontrar agora
O que de tanto sonhar buscava,
Mas nós roubamos do seu ser.
Vai, Aylan Kurdi!
Vai, menino-criança!
Dorme, menino-bebê…
Brinque de sonhar, brinque de viver
Enquanto matamos milhares de outros Aylans
Tão cheios de vida e de sonhos
Como você.

Por Fernando Khoury


#AylanKurdi
#KiyiyaVuranInsanlik
#surtomigratorio
“Jesus, porém, disse: Deixai vir a mim as crianças e não as impeçais, porque o reino do céu é dos que são como elas.”Mateus 19.14
:: Identidade ::

Miserável homem que sou, quem me livrará de mim mesmo?
Meus dilemas e idiossincrasias ameaçam me perturbar.
Minhas ambiguidades anseiam por me tirar o sono.
Minhas fraquezas lutam para me derrubar e desfigurar minha identidade.
Meus vazios tentam, a todo custo, se apoderar de mim.
Todos eles me tentam, mas nenhum deles me define.
Quem eu sou?
Eu sou filho.
De quem eu sou?
Eu sou do meu Pai.
Como sei o que sou e de quem sou?
O próprio Pai me revelou na carta de amor que escreveu pra mim.
E disse mais: “meu filho, você é nova criatura! Eu te resgatei do domínio das trevas e te transportei para o Reino do meu Filho amado”
Sim, nova criatura… mesmo com meus dilemas e idiossincrasias.
Mesmo com minhas ambiguidades, fraquezas e vazios.
Mesmo sabedor da fraude que sou quando tento negar quem de fato sou.
Pois pecado — dizia Kierkegaard — é em desespero não querer ser a si mesmo diante de Deus.
Desse mal não sofro mais!
Pois sei que Deus não mais me condena — e nem eu!
Pois sei que Deus me tirou do pecado, mas ainda não tirou o pecado plenamente de mim.
Quanto mais reconheço a velha criatura que habita em mim, mais eu me aproximo da nova criatura que em Cristo já me tornei.
Quanto mais enxergo minha antiga identidade, mais eu vejo o que Deus já me tornou, mas ainda, em plenitude, não sou.
Quanto mais sinto o cheiro da minha podridão, mais o perfume do Mestre ganha significado e se impregna em mim.
Quanto mais cônscio me torno do que sou incapaz, mais certo fico de que Deus pode me capacitar para todas as coisas.
Meus dilemas e idiossincrasias? Ainda os tenho, mas eles não me têm mais.
- Foram crucificados com Cristo!
Minhas ambiguidades e fraquezas? Ainda as sinto, mas elas não me sentem mais.
- Estão pendurados no madeiro!
Meus vazios? Ainda me tentam, mas não me possuem mais.
- Foram esvaziados na completude do amor daquele que se esvaziou para me completar!
É pela cruz que vivo e, seguro, com Lutero posso proclamar:
“Eu sei que não sou tudo que devo ser, eu sei que não sou tudo o que serei, mas pela Graça de Deus eu sei que já não sou mais o que eu era”.

Por Fernando Khoury


— — —
“Sei que nada de bom habita em mim, isto é, em minha carne. Porque tenho o desejo de fazer o que é bom, mas não consigo realizá-lo.
Pois o que faço não é o bem que desejo, mas o mal que não quero fazer, esse eu continuo fazendo.
Ora, se faço o que não quero, já não sou eu quem o faz, mas o pecado que habita em mim.
Assim, encontro esta lei que atua em mim: Quando quero fazer o bem, o mal está junto a mim.
Pois, no íntimo do meu ser tenho prazer na lei de Deus;
mas vejo outra lei atuando nos membros do meu corpo, guerreando contra a lei da minha mente, tornando-me prisioneiro da lei do pecado que atua em meus membros.
Miserável homem eu que sou! Quem me libertará do corpo sujeito a esta morte?
Graças a Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor! De modo que, com a mente, eu próprio sou escravo da lei de Deus; mas, com a carne, da lei do pecado.”
Romanos 7.18–25
:: O vazio nosso de cada dia ::

Acredito ser um tabu, no meio religioso cristão, admitir-se a ideia de que uma pessoa salva, que efetivamente acredita em Jesus como seu Senhor e Salvador, possa vir a experimentar um vazio existencial em sua vida.
Já li e ouvi muita coisa “gospel” sobre o tema. Todas, em uníssono, tratam  o vazio existencial humano como uma triste e simplória desventura daqueles desafortunados espiritualmente que ainda não foram feitos filhos de Deus através do sacrifício de Jesus Cristo. Algumas outras reflexões sobre o assunto – de forma talvez ainda pior – tratam os filhos de Deus que sofrem de vazio interior como pessoas acomodadas na fé, que não exercem sua vocação e possuem problema em sua intimidade com Deus. Nesses (rasos) termos, para os incrédulos, a resposta para o vazio existencial estaria, por óbvio, em não se crer em Jesus Cristo. Para os salvos, por outro lado, a resposta para o vazio existencial estaria no comodismo da fé e na falta de intimidade com o Pai. Simples assim! Em português mais claro: “Cristão que sente vazio interior está afastado do Pai”. “Cristão que sente vazio existencial não se entregou verdadeiramente à sua vocação e ao trabalho no Reino”. “Quem coloca Deus em primeiro lugar está sempre cheio e não pode se sentir vazio!”.
Para defender esse ponto de vista, citam Dostoiévski, citam Blaise Pascal, vociferam uma mensagem que a Bíblia não anuncia: “Existe no homem um vazio do tamanho de Deus”. “Somente Deus tem o tamanho exato do vazio que existe dentro de nós”. “Quem verdadeiramente aceita a Jesus Cristo como Senhor e Salvador abre as portas do coração para o amor Deus, e o vazio existencial que antes existia não existirá nunca mais, pois passa a ser plenamente preenchido por Ele”.
Particularmente, amo as duas primeiras frases. Vivi e vivo essas verdades em minha vida. Mas daí concluir-se, com base nelas e na Bíblia, que um cristão jamais poderá sofrer de vazio existencial ou se ver coagido a lutar contra esse mal constitui um largo e perigoso passo. Além do mais, sob essa deturpada ótica – se a psicologia está mesmo certa ao concluir que depressão e vazio interior andam de mãos dadas –, filhos de Deus também não poderiam jamais sofrer depressão. Jonas, Elias e, para citar um homem de Deus um pouco mais recente, Spurgeon não seriam filhos de Deus!
Na minha humilde visão, este é apenas mais um tabu no qual muitos evangélicos ainda acreditam. Talvez até você mesmo. 
Se você pensa assim, sinto te desapontar: muitos cristãos, salvos pelo sangue de Cristo, talvez mais tementes e fiéis a Deus do que você e eu – é provável! – ainda se sentem vazios interiormente e sofrem desse mal. Todavia, a maioria simplesmente não se sente confortável de confidenciar o vazio que sente num ambiente em que ainda impera a mentalidade que insiste em sempre tratar fraquezas e debilidades psicológicas do próximo como ausência de conversão ou de uma fé frouxa. Alguns irmãos em Cristo, é verdade, até têm coragem de confidenciar essa fraqueza. A grande maioria, contudo, ainda se sente constrangida pelo sistema super herói gospel vigente em nosso meio e, em silêncio, sofre sozinha e brada gritos de desespero na alma toda noite, ao colocar sua cabeça no travesseiro:

“POR QUE? Se Jesus entrou na minha vida e perdoou meus pecados... Se Jesus quebrou todas as maldições... Se eu já senti o seu inconfundível amor e já chorei copiosamente em sua presença... Por que ainda sinto esse vazio dentro de mim?”.

E, no palco teatral eclesiástico onde estão todos sempre se esforçando para sorrir e se mostrar realizados, a angústia aumenta: “Como é possível eu ser cristão e continuar sentindo esse vazio que aperta o peito? Será que Jesus não foi suficiente? Será que eu sou realmente salvo?”

Acredito piamente que o vazio a que se referem as frases de Dostoiévski e Pascal, as quais tanto amo e que são verdade em minha vida, evidenciam a raiz do problema do vazio interior, fruto de um coração rebelde para com Deus. Sugerem, portanto, que a parte principal da crise existencial que aflige todo ser humano se retroalimenta e se aguça quanto mais distante da verdade e do amor do Pai permanece. Como seguidores do Mestre, de fato, os dilemas metafísicos que você e eu experimentamos são plenamente satisfeitos em Cristo: "Por que eu existo? Qual é o sentido da minha vida? De onde eu vim? Para onde eu vou?”.
Mas acredito também, por outro lado, que boa parte de irmãos nossos, mesmo tendo plena convicção acerca dessas verdades e do amor do Pai, ainda podem sentir um vazio interior que não encontra resposta fácil e pronta no jargão do “não exercício da vocação” ou da “falta de intimidade com Deus”. Provavelmente, esses irmãos preciosos estão ao meu lado, estão ao seu lado. Talvez esse irmão precioso ao meu lado seja você. Talvez esse irmão precioso ao seu lado seja eu. Talvez sejamos nós dois. Vamos tirar nossas máscaras, perder a vergonha e nos apresentar?
Talvez o que nos falte seja, apenas, coragem de falar abertamente sobre o assunto, sem medo de assumir o caos que ainda somos e do qual Deus começou a nos resgatar, firmando a promessa de nos redimir plenamente um dia. Vale ressaltar: um dia! Que certamente ainda não chegou!
Nesse contexto, todo mundo sai perdendo, pois ninguém mais assume suas fraquezas e humanidades, seus vazios e ambiguidades, suas idiossincrasias e debilidades - seja em que área for. E, assim, acabamos condenados a viver num ambiente maquiado e doente, tentando parecer plenamente ser o que pela fé já somos, mas na História, física e temporalmente, ainda não. Todos saímos perdendo. Vivemos como se todos os nossos anseios da alma já tivessem sido saciados, como se todas as nossas dúvidas e dilemas já tivessem sido resolvidos. Vivemos como se Cristo já tivesse voltado, como se já tivéssemos corpos glorificados, como se a nossa natureza caída já tivesse sido plenamente redimida. Vivemos como se a criação não soubesse mais o que é gemer com dores de parto, como se nós mesmos não precisássemos mais gemer interiormente esperando ardentemente a redenção do nosso corpo e a nossa adoção como filhos.
Foi o próprio Cristo que nos encorajou a termos bom ânimo, pois enfrentaríamos aflições. E se a minha aflição for um vazio interior? Me apedrejariam?  E se o meu espinho na carne for um vazio existencial? Me acusariam de incrédulo e herege? E se o meu vale da sombra da morte for um vazio contra o qual luto todos os dias? Seria sinal de que o meu Bom Pastor não está em mim e comigo?  Sou todo dia confrontado com o mesmo sentimento que batia no peito de C. S. Lewis: se encontro em mim um desejo que nenhuma experiência desse mundo possa satisfazer, a explicação mais provável é que eu fui feito para um outro mundo. De fato, nós fomos feitos para outro mundo. Existencialmente, somos seres ambíguos. 
Você não está sozinho. Eu também não. Só precisamos nos conhecer. Por isso, se você já pertence a Cristo e Ele pertence a ti como Senhor e Salvador, eu te convido a não ter mais medo de declarar seus vazios, debilidades e fraquezas. Junte-se à boa companhia do apóstolo Paulo e declare: "miserável homem que sou, quem me libertará desse corpo mortal?". Mas também te convido, juntamente com Paulo, a dar graças a Deus por Jesus Cristo e a declarar em seu coração: "se Cristo está em mim, já não há mais condenação! Se Cristo está em mim, meu corpo pode até estar morto por causa do pecado, mas o mesmo Espírito daquele que ressuscitou Jesus dentre os mortos habita em mim e dará vida a esse meu corpo mortal. O próprio Espírito Santo me ajuda em minhas fraquezas!"
Tudo que somos pertence a Deus, inclusive nossos vazios! Em Cristo, Deus nos tirou do vazio, mas ainda não tirou o vazio plenamente de nós. Num dia, que ainda não se chama hoje - mas que há de chegar em breve -, isso ocorrerá! Mas hoje, lembre-se: Deus não nos poupa do sofrer; Ele nos poupa no sofrer. Sim, é verdade, Deus nos tirou do império das trevas e nos transportou para o Reino do seu Filho amado... mas escuridões e medos particulares ainda podem nos assombrar. Nossa conversão pode até não necessariamente nos curar das nossas fraquezas e debilidades existenciais, mas certamente nos dá uma fé inabalável que nos ajuda a lidar e lutar contra elas, aguardando com firme esperança a chegada do Grande Dia em que não haverá mais lágrima, nem tristeza, nem dor. 

Deus, meu Pai, eu sei que tu me amas. Me amas assim, do jeito que sou, mesmo com meus vazios. Mas também sei que o que hoje sou está bem longe de ser o que um dia serei, quando contigo, em plenitude, estiver. Eu creio que Jesus se esvaziou e desceu à nossa existência para que ninguém precisasse mais viver existencialmente vazio. Eu te agradeço pelo túmulo de Cristo estar vazio; isso me enche de esperança! Me ajuda a cultivar o bom ânimo! E me faz crer que um dia estarei livre de todas as minhas fraquezas. Um dia, as amarras e os grilhões que ainda me prendem em minhas debilidades existenciais irão se romper totalmente. Sem medo do presente, anseio por esse dia! Mas enquanto esse dia não chega, vou viver no presente, caminhando e lutando contra tudo aquilo que tenta me derrubar em minha caminhada com Cristo. Senhor, renova a minha mente. Transforma o meu coração. Esvazia-me, a cada dia, do que já estou cheio. Enche-me, a cada dia, do que ainda estou vazio. Amém.

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:: Esquizofrenia gospel ou o modo de pensar seletivo dos evangélicos ::

Alguém te avisa que a presidente e deputados estão usando aviões da Força Aérea Brasileira para viajar para compromissos pessoais, às expensas do patrimônio público do povo brasileiro, em vez de comprar passagem com o salário que recebem. Alguém te alerta que a presidente e deputados estão comendo em restaurantes caros e pagam a conta com dinheiro de impostos, e não com o salário que recebem. Alguém te comunica que desembargadores, promotores e ministros do TCU, muito bem assalariados, recebem em dinheiro auxílio-aluguel, mesmo quando já possuem casa própria.
São todos fatos reais, que aconteceram e acontecem em nosso país. Diante do alerta e do conhecimento genérico desses fatos, o que você faz?
Como dever cívico e ético de combate à imoralidade, à amoralidade e à corrupção, você provavelmente toma uma ou mais das seguintes atitudes: se possível, você tenta conversar com os envolvidos e dissuadi-los de suas práticas, você avisa aos órgãos de fiscalização, corre atrás da informação, alerta à potencial vítima (o povo), você conversa com seus amigos sobre, você compartilha no facebook, e talvez até vá pra rua protestar. No mínimo, você faz um panelaço! Afinal, o dinheiro do povo não pode ser usado de forma leviana e espúria, para financiar interesses pessoais de quem quer que seja. O povo merece a verdade e a transparência do que está sendo feito com o seu dinheiro.
Agora, se o líder religioso da sua igreja, que já recebe um  salário bem acima da média, está usando, em vez do seu carro próprio, o carro e a gasolina da congregação para se locomover e viajar em compromissos estritamente pessoais; se está levando as notas fiscais dos restaurantes onde almoça e de diversos outros gastos pessoais para a igreja pagar; se recebe auxílio-aluguel em dinheiro das verbas da igreja, mesmo já possuindo casa própria... Tudo isso na surdina. O que você faz?
Como "servo bom e fiel", você não faz nada, guarda tudo pra si, não fala sobre o assunto com ninguém, tampouco tenta dissuadir os líderes envolvidos, não alerta ninguém, não corre atrás da informação, pois cada um vai prestar contas dos seus atos perante Deus. Ou, se tenta tomar algumas dessas atitudes para se posicionar contra práticas desse tipo ocorridas dentro da igreja, os líderes envolvidos e boa parte dos seus irmãos te acusam de fazer fofoca e gerar contenda, o que não edifica em nada e ainda atrapalha a evangelização! Ou seja, o panelaço nas igrejas é às avessas: é para manter a ignorância e a amoralidade! Os fiéis não precisam saber como é destinado e o que é feito com o dinheiro que ofertam para a obra de Deus. Isso é responsabilidade dos líderes perante Deus. O fiel já fez a sua parte ao ofertar - e isso basta!
Percebe a contradição? Percebe a alienação? Existe uma "esquizofrenia gospel" profunda no mundo evangélico tupiniquim. Um modo de pensar seletivo, bipartido e altamente pernicioso, que só contribui para mais palhaços tomarem conta do circo em que já estamos vivendo.
Veja: enquanto perante o governo ser um bom cristão e cidadão é cumprir o dever cívico e ético de tomar atitudes proativas de combate a suspeitas de imoralidade, amoralidade e corrupção, perante líderes religiosos, ser um bom cristão e cidadão é fazer exatamente o oposto! Em um caso, com o meu dinheiro - com o dinheiro do povo e para o povo - ser um bom cristão é dissuadir, é agir, é alertar, é combater. No outro, com o dinheiro que nos é confiado por Deus e ofertado para sua obra, ser um bom cristão é se omitir e se alienar... ou, no máximo para os "muito corajosos", é ir conversar com os líderes e sair isolado e em silêncio sob a acusação de ser fofoqueiro.
Os argumentos utilizados para defender essa esquizofrenia são os mais curiosos e variados: "Tem tanta gente morrendo. Vamos amar as pessoas e ajudar o pobre, em vez de fazer fofoca com bobeiras que não edificam!", "A máxima do evangelho é o amor, não a discussão e a contenda. Temos que ser mansos!", "Em seus passos, o que faria Jesus? Certamente não iria agir assim! Ele quer paz", "deixa pra lá. Olhe pra Jesus, não para homens. Pastores têm uma responsabilidade especial e serão cobrados por Deus por tudo que fizerem", "Não se pode falar sobre problemas da igreja para incrédulos, seja pessoalmente, seja por facebook. Pois falar abertamente sobre os problemas que existem na igreja não ajuda em nada e ainda atrapalha a evangelização dos perdidos".
Será?
O argumento do amor e da mansidão é muito bonito e necessário, mas amor e mansidão também identificam e disciplinam o erro. Amor cego não é amor, é doença. Mansidão sem firmeza de posição e de convicção não é mansidão, é covardia. Desde quando amor virou sinônimo de complacência irresponsável? Desde quando mansidão virou sinônimo de omissão? Desde quando amar o próximo e ajudar o pobre me isenta da responsabilidade moral de lutar pelo que é justo é certo inclusive dentro da igreja?
Mansidão não é sinônimo de ser idiota, muito menos de baixar a cabeça pra tudo o que os "papas evangélicos" falam e fazem.  Ser cristão não é sinônimo de ter a mente cauterizada. Se tivéssemos cristãos mais corajosos e cônscios de suas responsabilidades não apenas SOCIAIS, mas também MORAIS, não veríamos esse circo cheio de atrocidades e imoralidades que se instaurou em nosso meio, inclusive em igrejas históricas. Socialmente, devemos sempre tentar cumprir o nosso papel. Moralmente, também.
Você e eu temos o dever e a responsabilidade de conversar em amor com líderes nossos que venham a praticar atos amorais e imorais. Afinal, pastores também são ovelhas, e, como tais, também podem se perder e carecer de um direcionamento sensato e sóbrio. Mas não são todos os líderes que estão abertos, quando necessário, a serem tratados, aconselhados e corrigidos - infelizmente. Uma boa parte deles ainda vai te tratar como fofoqueiro e citar meia dúzia de versículos bíblicos fora de contexto para defender suas práticas e continuar no erro.
O argumento que diz que alertar e denunciar abertamente o erro atrapalha a evangelização e afasta os incrédulos de Deus, sem dúvidas, é o mais curioso. A proposta, em outros termos, é a seguinte: não vamos mais alertar e falar sobre as amoralidades, imoralidades e corrupções que acontecem nas instituições governamentais do nosso país, porque se não todos vão perder o encanto pelo Brasil e ninguém mais vai querer conhecer as belezas que aqui existem. É importante que o Brasil tenha sempre uma imagem positiva para os de fora, para que o país possa receber investimentos externos e crescer. Vamos tapar os olhos para tudo o que acontece de errado na nossa terra, não vamos alertar sobre nenhuma mazela, vamos fingir que está tudo moralmente correto, pois o importante é alcançar turistas e investimentos. Certo? Espero, sinceramente, que a maioria dos brasileiros responda que não, que não está nada certo, pois a corrupção é sempre perniciosa e, como tal, deve sempre ser combatida, onde quer quer ela se encontre. Se for necessário um impeachment da presidente democraticamente eleita para estancar a corrupção, ainda que a imagem da nação fique desgastada diante das tristes verdades, que haja. A verdade sempre liberta. A mentira sempre aprisiona.
Pois bem. Desde quando tapar os olhos para a hipocrisia interna da igreja e não falar abertamente sobre elas virou estratégia de evangelização? Igreja não deveria ser empresa, pastor não deveria ser empresário e ovelha não deveria ser cliente. Igreja não é empresa para viver de propaganda e marketing. O marketing de Jesus Cristo sempre foi o anti-marketing. Sua mensagem não era atrativa e convidativa o suficiente para conquistar multidões. Ele não escondeu erros e farisaísmos da elite religiosa dominante para alcançar vidas. Se Aquele que é o caminho, a verdade e a vida não maquiou a essência da boa notícia para atrair mais seguidores, por que iria eu querer alargar uma porta que já e, por si mesma, estreita?
Eu penso exatamente assim. Alertar sobre as mazelas que vejo e vivencio dentro do mundo evangélico - ao contrário do que muitos pensam - abre portas para a disseminação do verdadeiro Evangelho. Isso mesmo! E por várias razões. Explico.
Primeiro, porque o que realmente atrapalha a evangelização é o senso comum entre os incrédulos de que crente é sempre burro, alienado e alvo de lavagem cerebral feita por líderes astutos que querem roubar seu dinheiro. E defender amoralidades como essas dentro da igreja ou se omitir em relação a elas apenas contribui para aumentar ainda mais esse preconceito já estabelecido. A maioria das pessoas simplesmente não está mais disposta a ouvir ou a dar crédito a um alienado falando sobre sua fé em Cristo.
Segundo, porque reconhecer e combater amoralidades internas causa uma estranheza e uma curiosidade sadias sobre os que estão de fora: "Peraí, você é evangélico, mas não concorda com o que muitos deles estão fazendo? Me explica melhor isso!". Se posicionar contra amoralidades internas abre portas não apenas para falar de Jesus, mas para mostrar Jesus agindo e ser um pequeno Cristo diante de injustiças sociais e morais, inclusive aquelas que ocorrem dentro dos "Templos de Salomão" modernos
Terceiro, porque se o de fora um dia entrar numa igreja, ele já entra ciente de que não é um clube de santos e imaculados. E isso permite apresentar a graça genuína de Cristo mesmo diante da natureza pecaminosa do homem. Ao reconhecer que cristãos não são santarrões, mas sim simples pecadores resgatados, sujeitos a erros e acertos, posso dizer ao incrédulo com convicção: "Não somos salvos porque fazemos o bem, mas fazemos o bem porque somos salvos. Não são os nossos atos bons que nos salvam, nem os nossos atos maus que nos condenam. Não somos tratados e amados por Deus com base no que fazemos, mas com base no que Cristo fez por nós. Porque se Deus fosse levar em conta o que fazemos, estaríamos todos condenados. Cristo nos ama e nos salva apesar de nós mesmos e das nossas mazelas. O amor de Deus pelo ser humano não é cego! Isso, sim, é Evangelho.
Quarto, porque é a verdade, e não o engano, que sempre liberta. E lutar ao lado da verdade ajuda a desfazer preconceitos, a transformar corações e a mudar a mente das pessoas. 
Quinto e último, porque é o Espírito Santo que convence do pecado, da justiça e do juízo, e todo aquele que o Pai dá ao Filho dele sempre se aproxima, e de modo nenhum é lançado fora. Foi o próprio Bom Pastor quem disse: "as minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as conheço, e elas me seguem. Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão, e ninguém as arrebatará da minha mão. Aquilo que meu Pai me deu é maior do que tudo; e da mão do Pai ninguém pode arrebatar". 
Portanto, vamos parar de usar usar a Bíblia ou jargões evangélicos pra defender absurdos. Usar a Bíblia de acordo com a conveniência é baixaria gospel revestida de verniz de espiritualidade. Quando é conveniente, nenhum líder religioso cita Jesus virando tudo de cabeça pra baixo no Templo ou João Batista denunciando reis e fariseus. Ninguém vai citar 1 Co 11.19 e tantos outros casos bíblicos. Teriam Jesus, João, Paulo e tantos outros incentivado a fofoca, a contenda e abandonado o amor e a evangelização? Todos eles sabiam amar o próximo, mas todos eles também sabiam identificar o erro e combatê-lo. Todos eles sabiam que uma atitude não exclui a outra, mas, pelo contrário, podem - e devem - caminhar juntas.
Não vamos mais deturpar aquela linda frase: "Em seus passos, o que faria Jesus?" diante de fatos amorais e imorais como os que temos vivenciado na igreja brasileira. Eu te pergunto: você realmente acredita que Jesus manteria um quadro de mentira, amoralidade e ignorância dos que Ele ama para haver uma suposta paz e um resultado melhor na evangelização? Foi isso que Ele fez com o sistema religioso doentio e farisaico vigente na época? 
Não vamos mais usar o jargão "isso não edifica em nada!" para alertar e falar abertamente sobre fatos amorais. Pois fatos amorais são, em si mesmos, sempre não edificantes, e alertar e se posicionar contra algo não edificante sempre edifica a quem tem ouvidos pra ouvir e olhos para ver. Se o pastor usa o púlpito para criticar e mandar recado para outro pastor, inclusive citando nomes, é edificante e permitido. Se você fala, escreve, alerta e conversa abertamente sobre fatos amorais ocorridos na igreja, citando ou não nomes, é fofoca e abominável. Mais coerência, por favor!
Essa forma bipartida e esquizofrênica gospel de pensar nada mais é que uma triste e dissimulada forma de CENSURA, que só contribui  para fortalecer o senso comum de que evangélico - as palavras não são minhas! - é uma cambada de alienado e burro que dá dinheiro pro pastor, sem fazer qualquer juízo crítico e de valor. Essa esquizofrenia é que seria capaz, isto sim, de atrapalhar a evangelização - se é que há de fato algo com esse poder.
Que, como cristãos, possamos aprender a ouvir críticas, debater ideias, enfrentar fatos e combater a injustiça onde quer que ela esteja - seja dentro ou fora da igreja. Do contrário, a suposta paz que haverá em nosso meio será, no máximo, paz de cemitério. Estaremos todos mortos, celebrando a vida, mas brindando a morte.


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:: Sobre buscar a Deus (um conto) ::

Um homem muito religioso e de muita fé desejava, com todo seu ser, se encontrar com Deus. Ele ia a todos os cultos da igreja. Era bastante envolvido nas atividades eclesiásticas. Ofertava assiduamente. E, sempre que podia, dizia a quem pudesse ouvir que ele sentia no coração um chamado de Deus para ser missionário na África. Mas ainda não era chegada a sua hora. No tempo certo, segundo ele, Deus iria fazer uma reviravolta, mudar todas as coisas e cumprir a promessa do chamado em sua vida.

Todos os dias pela manhã, aquele homem acordava cedo para buscar a Deus. Franzindo seu semblante, fechava fortemente seus olhos e orava com fervor. Seu sincero e caloroso clamor era um só: 

"Deus, eu quero te ver.
Eu quero te tocar.
Eu quero te abraçar.
Eu te busco, eu te procuro.
Eu tenho sede de ti.
Eu tenho fome de ti.
Quero me aquecer em seus braços de amor.
Eu quero te servir.
Onde tu estás?
Revela-te a mim!
Cumpre o seu chamado em mim"

Após terminar a oração, como de costume, aquele homem saía apressadamente para o seu trabalho. O trajeto era sempre o mesmo. Era sempre apenas mais um dia. Um dia comum. Esse dia comum aconteceu hoje. Aconteceu ontem.

Ontem. Segunda-feira, início de semana. Terminado o período de oração, colocando o seu paletó, aquele homem já entrou no elevador de cabeça baixa, só para não ter que dar bom dia e escutar as reclamações do seu vizinho, conhecido entre os moradores por ser o chato e o problemático do prédio. Ao sair do elevador, no hall do prédio, encontrando-se com um velhinho que julgava mentalmente desabilitado, logo se esquivou para não perder seu precioso tempo dando atenção a um desequilibrado. A caminho do trabalho, vendo um pobre que vivia passando fome na rua, até sentiu compaixão em seu interior, mas continuou a comer seu sanduíche e não lhe estendeu a mão. Pensou o homem consigo: "coitado, que Deus tenha misericórdia dessa pessoa e lhe arrume um emprego". Já perto da porta de entrada do seu trabalho, deparando-se com um mendigo seminu que, tremendo de frio, dormia diariamente estirado na calçada, sentiu-se movido em seu coração a agradecer a Deus por ter uma casa, um lugar seguro onde dormir e por ser alvo da provisão divina que nunca faltara em sua vida.

À noite, já em casa, antes de dormir, aquele homem fazia a mesmíssima e calorosa oração. No dia seguinte, religiosamente, o clamor daquele homem se repetia pela manhã, assim como as situações pelas quais ele passava no caminho para o seu trabalho. E assim ocorreu por muitos outros dias, por sucessivos anos, até que aquele homem, já velho, morreu frustrado - sem nunca ter encontrado Deus ou cumprido seu chamado.

Teria Deus deixado de responder a oração daquele homem? Não. Claro que não.
Deus estava no elevador, no hall do prédio, na rua, na calçada. Diariamente.
Deus sempre esteve lá. Mas aquele homem nunca o viu.

Se aquele homem pelo menos tivesse percebido que a África também é aqui.
Se aquele homem pelo menos tivesse entendido o que de fato significa ser chamado por Deus.
Se aquele homem pelo menos tivesse compreendido que, apesar de não serem as obras que salvam, a fé justificadora nunca está só.

Se aquele homem pelo menos tivesse enxergado que Deus estava ansiando por ser consolado no seu vizinho problemático, que chora todo dia internamente sem nunca ouvir uma palavra de esperança.
Que Deus estava esperando ser tocado e abraçado no velhinho desequilibrado e rejeitado, que nunca recebeu um gesto significativo de amor nem mesmo dos seus próprios filhos.
Que Deus estava buscando ser encontrado e saciado na dor de fome que apertava diariamente a barriga do pobre, o qual, de tanto ser ignorado pelo ser humano, preferiria ter vindo ao mundo como um cachorro.
Que Deus estava procurando ser acalentado em meio ao frio sofrido do mendigo seminu, que está à deriva no mar do esquecimento, esperando a morte chegar ou o inverno passar - o que acontecer primeiro.

É triste ver que o mesmo fervor que havia na oração daquele homem não existia em sua vida.
Que o mesmo amor que ele sentia por Deus não reverberava em toda sua beleza e intensidade para o próximo.
Talvez porque aquele homem achasse que com Deus a gente só lida de olhos fechados e na vertical... quando, na verdade, com Deus a gente também se relaciona de olhos abertos e na horizontal. Pois receber, no Evangelho, é dar-se, é doar-se... e para nos darmos e nos doarmos é preciso que estejamos, antes de tudo, de olhos bem abertos.

Pois quem tem sede de Deus simplesmente não consegue deixar o próximo com a garganta seca ou com o coração deserto.
Quem tem fome de Deus não se contenta em deixar o próximo com a barriga vazia ou com o coração solitário.
Quem deseja sentir o calor do amor do Pai não deixa o próximo sozinho passando frio ou com o coração desamparado.
Porque aqueles que realmente buscam ao Deus que se esvaziou para nos preencher sabem que seu chamado é suprir ausências e preencher vazios - quer no corpo, quer na alma -, como Cristo fez.

É triste perceber que aquele homem pode ser eu, que aquele homem pode ser você.
É triste perceber que todos querem amar o próximo, mas ninguém quer ser o próximo a amar.

É verdade: tentar suprir a ausência de todos, além de humanamente impossível, é ingenuidade.
Mas não suprir a ausência de ninguém é humanamente desprezível - uma idolatria à vaidade! 
Senhor, livre-nos de nós mesmos.

Que os nossos dias não passem de forma miserável, como os daquele homem. 
Que aquele homem não seja eu, não seja você.
Que amanhã eu e você possamos ver, tocar, abraçar e servir ao Deus que nós amamos, Jesus Cristo, num dos poucos lugares onde Ele falou que certamente estaria: na carência física e existencial do próximo. Será um dia comum, como todos os outros... mas também o mais especial de todos. Amém.


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"Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo;
Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me;
Estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e foste me ver.
Então os justos lhe responderão, dizendo: Senhor, quando te vimos com fome, e te demos de comer? ou com sede, e te demos de beber?
E quando te vimos estrangeiro, e te hospedamos? ou nu, e te vestimos?
E quando te vimos enfermo, ou na prisão, e fomos ver-te?
E, respondendo o Rei, lhes dirá: Em verdade vos digo que quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes."

Mateus 25.34-40

“Conhecemos o amor nisto: que ele deu a sua vida por nós, e nós devemos dar a vida pelos irmãos. (...) Se alguém diz: Eu amo a Deus, e odeia a seu irmão, é mentiroso. Pois quem não ama a seu irmão, ao qual viu, como pode amar a Deus, a quem não viu?”

1 João 3.16 e 4.20
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